domingo, 25 de novembro de 2012

Alice por Dalí

Duas preferências juntas: a melhor personagem fantástica da literatura com o melhor pintor fantástico das artes. Não poderia ser diferente. As ilustrações de Salvador Dalí para uma edição limitada de Alice no país das maravilhas (1969) tornaram o livro uma raridade e um objeto de desejo (pelo menos por mim...). Trata-se de heliogravuras maravilhosas, fantásticas (!!!), surreais, todos esses termos e outros mais que possam se ligar a eles, em suas melhores acepções e ambiguidades. Veja você mesmo(a):




"Gostaria de saber se vou cair direto através da Terra! Como vai ser engraçado sair no meio daquela gente que anda de cabeça para baixo! Os antipatias, acho" (desta vez estava muito satisfeita por não haver ninguém escutando, pois aquela não parecia mesmo ser a palavra certa) "mas vou ter de perguntar a eles o nome do país".




Alice: Aqui parecem todos malucos. 
Gato: É verdade, eu também sou maluco…Completamente maluco. 
Alice: Eu não.
Gato: Claro que és. Se não fosses maluca não estavas aqui.





A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. […] Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas, mas não posso explicar a mim mesma.



Podes dizer-me, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui? 
- Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato. 
- Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice.
- Nesse caso, pouco importa o caminho que sigas - replicou o gato. 





Trechos de Alice no país das maravilhas e ilustrações encontradas no Google images.



sexta-feira, 23 de novembro de 2012

a bela e a fera, num desmanche


(Fonte não encontrada. Se você conhece o autor da imagem, mande um e-mail para sarahvervloet@gmail.com)

terça-feira, 20 de novembro de 2012

literatura à base de vodca

Há 102 anos, morria  Liev Tolstói. O russo é um dos meus escritores favoritos. A frase abaixo inicia o romance Anna Karenina (magnífico):


"Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes são cada uma à sua maneira".

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

ar que teto


Está aberto, sem portas
Sem restos, e tortas
Aqui, reto, retornas
E restos, retomas
Eu soube ver certos
Abertos, e fechas
E curvas nos tetos
Assim, o teto nos abre,
Aqui, teto acabe,
Ar que teto não sabe,
Há que ter tom
Ao que ter teto,
Ar que te tônico.

(devaneio de segunda, todo meu, toda minha)

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

90 anos do gajo Saramago

Se vivo, José Saramago faria hoje 90 anos. Parabéns ao meu gajo favorito. Certas pessoas não morrem:

O medo cega, disse a rapariga dos óculos escuros, São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegamos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos, Quem está a falar, perguntou o médico, Um cego, respondeu a voz, só um cego, é o que temos aqui. Então perguntou o velho da venda preta, Quantos cegos serão precisos para fazer uma cegueira. Ninguém lhe soube responder. 

(Trecho de Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago, publicado em 1995)

terça-feira, 13 de novembro de 2012

e nunca discordar de Clarice

Preguiça

Perguntaram à preguiça:
- Preguiça, você quer mingau?
Ela disse bem devagar:
- Queeeeero.
- Então vem buscar.
- Não quero mais nããão...

Num dia de chuva dá muita preguiça. Quase não posso escrever. Foi na viagem para um fim de semana em Friburgo. Chovia e na Parada Modelo vi as preguiças. Era demais para mim e me deu um sono daqueles.

Clarice Lispector. Trecho de uma crônica de A descoberta do mundo. 

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

tanto cinema, quanto poema

A sétima arte é uma necessidade. O cinema dá contorno aos nossos esboços e acrescenta cor ao pensamento, mesmo que sejam branco e preto vivos. Vivos. Essa é a premissa para ser cinema: estar vivo e fazer-se viver. Pensando bem, todas as artes são necessárias. A poesia idem, e meu poemeto veio para fechar a semana cinematográfica:



a sequência de imagens e
meu território desenhado
o outro lado, daquele lá
mais um pouco pra direita
não, melhor pra esquerda
tudo corre em filme aqui
todo delírio é aproveitado
tenho certeza, mas dúvidas
e um chiste, gravando e
longos, curtos, cortados
solitários em multidão
a imagem tremida, vazia
procura pela tal chave, mas
que pena, acabou o dia,
a filmagem diluída na chuva
continua vestindo fechadura.


(19ª edição do Vitória Cine Vídeo, Festival de Cinema de Vitória)

domingo, 4 de novembro de 2012

ser e não ser

Um poema que questiona a tradição da pergunta "O que você vai ser quando crescer?" em plena prova do Enem 2012 - um exame que simboliza, mais do que nunca, um passo para o futuro, um passo para finalmente o Ser ser, um ritual doloroso liderado por essa responsabilidade implícita e explícita de decisão lúcida do futuro. Abri um sorriso quando me dei conta do ocorrido, pois Drummond apresenta-nos um sujeito poético que decide ir contra a corrente, um eu que não entende o porquê disso, dessa necessidade de ser quando se cresce. Mas já não sou? Não sou ainda por falta de títulos, diplomas, condecorações, merecimentos? O poema responde: Não vou ser. Uma vez, li em algum lugar um diálogo com a máxima de Hamlet: o importante não é ser ou não ser, mas sim, ser e não ser. Eis as questões:


Verbo Ser
Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor. Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer.
[Carlos Drummond de Andrade]

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

contanto que eu não chore neste pedaço


Lourdes se lembrou de momentos sublimes desta família. Festas, casamentos, formaturas, nascimentos, sua maravilhosa bodas de ouro. Alegrias, todas essas. Poucas vezes, ou talvez nenhuma, a família se juntou para chorar. “Está próximo”, pensou. E chorou em silêncio. E foi esconder as lágrimas com Dona, a galinha que devia entender tudo. Quando se aproximou, Lourdes percebeu Dona um pouco quieta, quase que estátua. Lourdes ficou apreensiva, com a voz trêmula e fraca: “não vá me abandonar justo agora, sua sem-vergonha! Você não está doente também, está?”. E a galinha, que realmente compreendia o tom de preocupação, levantou-se calma e lentamente. E lá estava o motivo de tamanha cautela do animal: cinco ovos bem dispostos e aquecidos por uma mãe magnífica. As novas lágrimas de Lourdes misturaram-se com as que estavam quase secas em volta de seus lindos olhos verdes. Ela ria de emoção e chorava de felicidade. Uma felicidade momentânea e muito propícia. Uma felicidade que só se explica com a aproximação de morte e vida, o sofrimento com a alegria. 

(Trecho de um conto, chamado "contanto que eu não chore", que está em meu livro contos e microcontos, ainda a ser lançado)