quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

de mim para mim: cartões postais


Adquiri uma mania que veio das pequenas viagens que já fiz e dos amigos viajantes que tenho: colecionar cartões postais. Mas a ideia de começar a escrever neles só veio com a minha última viagem, minha rápida passagem pelas terras europeias. E por que escrever neles, sem endereçá-los? Nunca tinha parado para pensar nisso, apenas o fiz e trouxe todos para casa. Lendo-os agora, a saudade de estar em cada local e sentir tudo aquilo novamente me dominou. Assim, pude concluir: escrever cartões postais para mim é uma forma de falar comigo mesma sobre as impressões de cada lugar. É meu diário solto, ilustrado e marcado. Quem escreve nesses cartões é uma mistura de mim e do lugar. Já quem lê é a completa nostalgia misturada à minha vontade de sentir um pouco do que já passou. 




(Fotos minhas, dos meus cartões postais)

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

aniversário: Clarice


Caso estivesse viva, Clarice Lispector completaria, hoje, 92 anos. Sem dúvida, é minha escritora favorita. Abaixo, o trecho do livro que marcou, de alguma e de todas as maneiras, o meu percurso como leitora:

Ouve, por eu ter mergulhado no abismo é que estou começando a amar o abismo de que sou feita. A identidade pode ser perigosa por causa do intenso prazer que se tornasse apenas prazer. Mas agora estou aceitando amar a coisa!
E não é perigoso, juro que não é perigoso.
Pois o estado de graça existe permanentemente: nós estamos sempre salvos. Todo o mundo está em estado de graça. A pessoa só é fulminada pela doçura quando percebe que está em graça, sentir que se está em graça é que é o dom, e poucos se arriscam a conhecer isso em si. Mas não há perigo de perdição, agora eu sei: o estado de graça é inerente.
– Escuta. Eu estava habituada somente a transcender. Esperança para mim era adiamento. Eu nunca havia deixado minha alma livre, e me havia organizado depressa em pessoa porque é arriscado demais perder-se a forma. Mas vejo agora o que na verdade me acontecia: eu tinha tão pouca fé que havia inventado apenas o futuro, eu acreditava tão pouco no que existe que adiava a atualidade para uma promessa e para um futuro.
Mas descubro que não é sequer necessário ter esperança.
É muito mais grave. Ah, sei que estou de novo mexendo no perigoso e que deveria calar-me para mim mesma. Não se deve dizer que a esperança não é necessária, pois isto poderia vir a se transformar, já que sou fraca, em arma destruidora. E para ti mesmo, em arma utilitária de destruição.
Eu poderia não entender e tu poderias não entender que prescindir da esperança – na verdade significa ação, e hoje. Não, não é destruidor, espera, deixa eu nos entender. Trata-se de assunto proibido não porque é ruim mas porque nós nos arriscamos.
Sei que se eu abandonar o que foi uma vida toda organizada pela esperança, sei que abandonar tudo isso – em prol dessa coisa mais ampla que é estar vivo – abandonar tudo isso dói como separar-se de um filho ainda não nascido. A esperança é um filho ainda não nascido, só prometido, e isso machuca.
Mas sei que ao mesmo tempo quero e não quero mais me conter. É como na agonia da morte: alguma coisa na morte quer se libertar e tem ao mesmo tempo medo de largar a segurança do corpo. Sei que é perigoso falar na falta de esperança, mas ouve – está havendo em mim uma alquimia profunda, e foi no fogo do inferno que ela se forjou. E isso me dá o direito maior: o de errar.

(de A paixão segundo G.H.)

sábado, 8 de dezembro de 2012

hora da viagem

2012 foi especial por vários motivos. Entre eles está a minha grande viagem dos sonhos. Conheci um pedacinho da Europa, o que fez deste ano algo realmente mágico, que ficará guardado na lembrança. Na lembrança e aqui, pouquinhas coisas que vou mostrando à medida que sentir necessidade. Por enquanto, deixo apenas um sentimento encontrado em um texto de Thomas Mann, no que diz respeito à viagem, uma vontade súbita e incontrolável, também acometida a mim:

Era o desejo de viajar, nada mais; mas verdadeiramente parecendo um acesso e intensificado até a paixão, sim, até a alucinação. [...] Ele havia apreciado, ao menos desde que dispunha dos meios de usufruí-las à vontade, as vantagens do tráfego internacional, as viagens como nada mais que uma medida higiênica que tivera de ser tomada de vez em quando contra a vontade e a inclinação. Demasiadamente ocupado com as tarefas que lhe impunham seu Eu e a alma europeia; demasiadamente sobrecarregado pelo dever da produção; adverso demais a distrações para servir como amante do colorido mundo exterior, dera-se por satisfeito com a opinião de todos, sem se afastarem do seu círculo, podem obter da superfície do mundo, e nunca sequer se sentira tentado a deixar a Europa. [...] Mas sabia muito bem por que razão a tentação se dera tão inesperadamente. Era ímpeto de fugir; o que confessou a si mesmo, esta saudade para a distância, para a novidade, esta ânsia por libertação, exoneração e esquecimento – a pressão de se afastar da obra, do sítio cotidiano de um serviço rígido, frio o apaixonado.

(Morte em Veneza, Thomas Mann, de 1912)


domingo, 2 de dezembro de 2012

Mães


Não haveria mundo se as mães não existissem. Embora pareça óbvio, não o é. Os ventres mais quentes e aconchegantes não garantem um piso firme na vida após os nove meses. O alisar da barriga e a cautela exagerada não são suficientes ao coração recém-nascido. O que com o cordão umbilical se nutre talvez seja pouco para uma jornada de amamentações e colheres de asas. O ofício materno ultrapassa a dor do parto e o sangue escorrido pelas veias, e nem todas as mães mereciam essa denominação, ou esse elogio disfarçado de grito “mãe!”, ou esse apelo por um cuidado que sempre carecemos e só essa figura – a mãe – é capaz de ter, ou essa função absolutamente nobre, ou esse carinho que veste uma pessoa e, simplesmente, ela deixa de ser qualquer coisa para ser tudo: uma mãe. Um teste positivo, alguns ultrassons, o deslumbramento no primeiro par de sapatinhos e, pronto, sou mãe? Uma violação para com as verdadeiras, as legítimas, as que embalam os seres mais importantes do mundo. Pois um filho significa um pedaço da vida e a vida em pedaços só pode ser vista assim: aos olhos de alguém superior. Uma mãe. As mães são distintas porque carregam consigo remédios poderosos e jamais identificados pela ciência. Elas sabem que não é o leite que brota dos seios que as deixam fortes. São aquelas luzes nos dedos das mãos, que não são apenas duas. Aquelas luzes que acalentam quando vem a febre, o choro, a frustração, os conflitos, o mundo. Elas existem para tocar o mundo com as próprias mãos, as mães. Um papel inesgotável, a ponto de provocar discussões acerca da sua imortalidade. É mistura, repetição acalorada “mamãe”, é o nome açucarado, são as luzes que nunca se apagam, é mãe desmedida e insone. Híbrida. Mães deram origem ao mar, aos livros, às estrelas, ao sol e ao infinito. Assim surgiu o amor em excesso, um exagero sem fim que, graças a elas, mantém o mundo. Um mundo mantido por mãos maternas, cujo exercício é somente assegurar que as vidas das proles estejam cativadas. Assim, parafraseio Guimarães: mão, mães, é tudo uma questão de afeiçães

(Texto inspirado no dia de hoje, dia da minha mãe)

domingo, 25 de novembro de 2012

Alice por Dalí

Duas preferências juntas: a melhor personagem fantástica da literatura com o melhor pintor fantástico das artes. Não poderia ser diferente. As ilustrações de Salvador Dalí para uma edição limitada de Alice no país das maravilhas (1969) tornaram o livro uma raridade e um objeto de desejo (pelo menos por mim...). Trata-se de heliogravuras maravilhosas, fantásticas (!!!), surreais, todos esses termos e outros mais que possam se ligar a eles, em suas melhores acepções e ambiguidades. Veja você mesmo(a):




"Gostaria de saber se vou cair direto através da Terra! Como vai ser engraçado sair no meio daquela gente que anda de cabeça para baixo! Os antipatias, acho" (desta vez estava muito satisfeita por não haver ninguém escutando, pois aquela não parecia mesmo ser a palavra certa) "mas vou ter de perguntar a eles o nome do país".




Alice: Aqui parecem todos malucos. 
Gato: É verdade, eu também sou maluco…Completamente maluco. 
Alice: Eu não.
Gato: Claro que és. Se não fosses maluca não estavas aqui.





A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. […] Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas, mas não posso explicar a mim mesma.



Podes dizer-me, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui? 
- Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato. 
- Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice.
- Nesse caso, pouco importa o caminho que sigas - replicou o gato. 





Trechos de Alice no país das maravilhas e ilustrações encontradas no Google images.



sexta-feira, 23 de novembro de 2012

a bela e a fera, num desmanche


(Fonte não encontrada. Se você conhece o autor da imagem, mande um e-mail para sarahvervloet@gmail.com)

terça-feira, 20 de novembro de 2012

literatura à base de vodca

Há 102 anos, morria  Liev Tolstói. O russo é um dos meus escritores favoritos. A frase abaixo inicia o romance Anna Karenina (magnífico):


"Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes são cada uma à sua maneira".

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

ar que teto


Está aberto, sem portas
Sem restos, e tortas
Aqui, reto, retornas
E restos, retomas
Eu soube ver certos
Abertos, e fechas
E curvas nos tetos
Assim, o teto nos abre,
Aqui, teto acabe,
Ar que teto não sabe,
Há que ter tom
Ao que ter teto,
Ar que te tônico.

(devaneio de segunda, todo meu, toda minha)

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

90 anos do gajo Saramago

Se vivo, José Saramago faria hoje 90 anos. Parabéns ao meu gajo favorito. Certas pessoas não morrem:

O medo cega, disse a rapariga dos óculos escuros, São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegamos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos, Quem está a falar, perguntou o médico, Um cego, respondeu a voz, só um cego, é o que temos aqui. Então perguntou o velho da venda preta, Quantos cegos serão precisos para fazer uma cegueira. Ninguém lhe soube responder. 

(Trecho de Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago, publicado em 1995)

terça-feira, 13 de novembro de 2012

e nunca discordar de Clarice

Preguiça

Perguntaram à preguiça:
- Preguiça, você quer mingau?
Ela disse bem devagar:
- Queeeeero.
- Então vem buscar.
- Não quero mais nããão...

Num dia de chuva dá muita preguiça. Quase não posso escrever. Foi na viagem para um fim de semana em Friburgo. Chovia e na Parada Modelo vi as preguiças. Era demais para mim e me deu um sono daqueles.

Clarice Lispector. Trecho de uma crônica de A descoberta do mundo. 

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

tanto cinema, quanto poema

A sétima arte é uma necessidade. O cinema dá contorno aos nossos esboços e acrescenta cor ao pensamento, mesmo que sejam branco e preto vivos. Vivos. Essa é a premissa para ser cinema: estar vivo e fazer-se viver. Pensando bem, todas as artes são necessárias. A poesia idem, e meu poemeto veio para fechar a semana cinematográfica:



a sequência de imagens e
meu território desenhado
o outro lado, daquele lá
mais um pouco pra direita
não, melhor pra esquerda
tudo corre em filme aqui
todo delírio é aproveitado
tenho certeza, mas dúvidas
e um chiste, gravando e
longos, curtos, cortados
solitários em multidão
a imagem tremida, vazia
procura pela tal chave, mas
que pena, acabou o dia,
a filmagem diluída na chuva
continua vestindo fechadura.


(19ª edição do Vitória Cine Vídeo, Festival de Cinema de Vitória)

domingo, 4 de novembro de 2012

ser e não ser

Um poema que questiona a tradição da pergunta "O que você vai ser quando crescer?" em plena prova do Enem 2012 - um exame que simboliza, mais do que nunca, um passo para o futuro, um passo para finalmente o Ser ser, um ritual doloroso liderado por essa responsabilidade implícita e explícita de decisão lúcida do futuro. Abri um sorriso quando me dei conta do ocorrido, pois Drummond apresenta-nos um sujeito poético que decide ir contra a corrente, um eu que não entende o porquê disso, dessa necessidade de ser quando se cresce. Mas já não sou? Não sou ainda por falta de títulos, diplomas, condecorações, merecimentos? O poema responde: Não vou ser. Uma vez, li em algum lugar um diálogo com a máxima de Hamlet: o importante não é ser ou não ser, mas sim, ser e não ser. Eis as questões:


Verbo Ser
Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor. Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer.
[Carlos Drummond de Andrade]

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

contanto que eu não chore neste pedaço


Lourdes se lembrou de momentos sublimes desta família. Festas, casamentos, formaturas, nascimentos, sua maravilhosa bodas de ouro. Alegrias, todas essas. Poucas vezes, ou talvez nenhuma, a família se juntou para chorar. “Está próximo”, pensou. E chorou em silêncio. E foi esconder as lágrimas com Dona, a galinha que devia entender tudo. Quando se aproximou, Lourdes percebeu Dona um pouco quieta, quase que estátua. Lourdes ficou apreensiva, com a voz trêmula e fraca: “não vá me abandonar justo agora, sua sem-vergonha! Você não está doente também, está?”. E a galinha, que realmente compreendia o tom de preocupação, levantou-se calma e lentamente. E lá estava o motivo de tamanha cautela do animal: cinco ovos bem dispostos e aquecidos por uma mãe magnífica. As novas lágrimas de Lourdes misturaram-se com as que estavam quase secas em volta de seus lindos olhos verdes. Ela ria de emoção e chorava de felicidade. Uma felicidade momentânea e muito propícia. Uma felicidade que só se explica com a aproximação de morte e vida, o sofrimento com a alegria. 

(Trecho de um conto, chamado "contanto que eu não chore", que está em meu livro contos e microcontos, ainda a ser lançado)

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

do grego, metamórphosis

E imaginando que todos acompanhavam ansiosos os seus esforços, mordeu a chave como um louco, com todas as forças que ainda podia reunir. À medida que a chave ia girando, ele dançava em torno da fechadura; agora mantinha-se em pé só com o auxílio da boca e, conforme a necessidade, ficava pendurado na chave ou a empurrava outra vez para baixo com todo o peso do seu corpo. O som mais claro da fechadura que enfim retrocedia literalmente despertou Gregor. 


O rosto dela estava inclinado para o lado, seus olhares seguiam perscrutadores e tristes as linhas da partitura. Gregor rastejou mais um trecho à frente, mantendo o corpo rente ao chão, para se possível captar os seus olhos. Era ele um animal, já que a música o comovia tanto? Era como se lhe abrisse o caminho para o alimento almejado e desconhecido.


Você simplesmente precisa se livrar do pensamento de que é Gregor. Nossa verdadeira infelicidade é termos acreditado nisso até agora. Mas como é que pode ser Gregor? Se fosse Gregor, ele teria há muito tempo compreendido que o convívio de seres humanos com um bicho assim não é possível e teria ido embora voluntariamente. 


Trechos de A metamorfose, de Franz Kafka.
Imagens de uma campanha chamada "Make your own movie: read a book", que sugere A metamorfose em terror, no estilo Bollywood e na forma de mangá, respectivamente.


domingo, 28 de outubro de 2012

domingo pede cachimbo com sorriso


Geralmente, meus domingos são regados a Alice. Um banho de cor e de afeto que saem do regador, desse regador iluminado. Arco-íris de pura alegria que chama a minha semana para o ânimo e a disposição, pois eu preciso de. Acredito que ela já tenha percebido que não há maravilhas neste mundo cruel em que vivemos. Alice sabe que, embora seja dura a verdade, ela tanto bate até que fura, e nós podemos sorrir no domingo, cuja propriedade talvez seja fictícia. Num domingo descansa-se e descascam-se os dias úteis. O domingo é sagrado, dizem, e dorme-se o que faltou. O começo da semana penosa, quando a areia fina bate no sino, e Alice pronuncia suas palavras à moda do Cebolinha. O domingo é um momento de transfusão de energias entre Alice e eu, nesse sentido – dela pra mim.  Porque no país dela eu quero morar eternamente, onde todas as coisas são mais simples do que imaginamos. Quer dizer, no país da imaginação de Alice, as maravilhas podem ser detalhes pequenos de um domingo, um domingo que é, aparentemente, como qualquer outro. Mas, em se tratando de domingo, a presença da felicidade, simples como ela deve ser, é sempre certa com Alice.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

a palavra da palavra queimada (re)nasce


Foi de um lapso que nasceu o chá de chama. Perdi as informações da conta anterior de um blog que mantinha, chamado Ziguezaguear. Ele surgiu em 2009 e agora flutua na rede sem o meu controle, pois não há como acessá-lo. Um sonho não percebido; minha memória já me deixando na mão. É verdade que o blog vivia mais de hiatos do que de grandes momentos de inspiração e criatividade. Então, por que voltar? Não sei, mas volto. Uma explicação para o título do novo blog? Não darei, porque não há. Uma certeza: não se trata de ser ou não ser como uma fênix. Concluí que não sou eu que queimo. São as palavras que insistem em entrar em autocombustão. E não prometo nada, nem tudo, porque sei que essa história de zigue-zague já faz parte disso que é a escrita e ela arde, meus amigos, como fogo vivo em chamas. Agarro-me nisso. Se você for ler, me chama?

todos os blogs, o fogo

"Ah", diz Roland acendendo um fósforo. Jeanne ouve tranquilamente o ruído, é como se visse o rosto de Roland enquanto aspira a fumaça, encostando-se um pouco para trás, com os olhos semicerrados. Um rio de malhas brilhantes parece pular das mãos do gigante preto e Marco tem o tempo exato para esquivar o corpo à rede. Em outras ocasiões - o procônsul sabe, e vira a cabeça para que somente Irene o veja sorrir - aproveitou esse mínimo instante, ponto fraco de todo reciário, para bloquear com o escudo a ameaça do longo tridente e jogar-se firme, com um movimento fulgurante, em direção ao peito descoberto. Mas Marco mantém-se fora da distância, as pernas curvadas, a ponto de pular, enquanto o núbio recolhe rapidamente a rede e prepara novo ataque. "Ele está perdido", pensa Irene sem olhar para o procônsul que escolhe uns doces da bandeja que Urânia lhe oferece. (De Todos os fogos, o fogo. Julio Cortázar)